A Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) tem uma forte atuação no enfrentamento do tráfico de pessoas. Por meio do Programa de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (PDDHC), desenvolve o projeto “Educar é Prevenir”, que leva informações essenciais sobre o tema às escolas do Estado. O resultado tem sido o fortalecimento da rede de apoio, com auxílio para impedir casos de tráfico humano.
Implementado pelo Centro de Promoção às Vítimas de Tráfico de Pessoas, o projeto já chegou a quase 50 unidades de ensino, com mais de dez mil pessoas alcançadas. Somente em 2024, houve a realização desta ação em cinco escolas da rede pública estadual, atingindo 280 servidores dos colégios e 2.100 estudantes. O projeto capacita a comunidade escolar durante uma semana, em que alunos, professores e servidores técnicos são orientados com informações para combater o crime.
O “Educar é Prevenir” foi criado em 2016 e, com o passar dos anos, aprimorou as metodologias de abordagem. A mais recente mudança realizada no ano passado foi a capacitação de 170 líderes de turma das escolas, o que facilita a propagação das informações necessárias de combate ao tráfico dentro e fora do ambiente escolar.
Além dele, o programa da Assembleia Legislativa lançou, em 2024, o projeto “Prevenção Sem Fronteiras”, voltado para a formação de profissionais em diferentes instituições públicas. No ano passado, as equipes do PDDHC realizaram a capacitação da rede de combate ao tráfico de pessoas no município de Rorainópolis, com a presença de representantes de órgãos públicos, a exemplo do Conselho Tutelar, Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e Ministério Público (Leia sobre a proposta).
Conforme a diretora do Programa da ALE-RR, Socorro Santos, a ideia é expandir as ações do projeto em 2025. “Esperamos continuar o trabalho do ‘Sem Fronteiras’, ampliando nossa atuação e fortalecendo parcerias com políticas públicas. Um exemplo disso é o caso de uma pessoa que nos procurou dos Estados Unidos, buscando ajuda para uma sobrinha traficada em Roraima. Isso mostra que o nosso trabalho está sendo reconhecido além das fronteiras do Brasil, e é fundamental que as políticas públicas do Estado também nos apoiem”, informou Socorro.
Para o presidente da Casa Legislativa, deputado Soldado Sampaio (Republicanos), os dois projetos são essenciais para alertar a sociedade roraimense sobre o crime de tráfico de pessoas, principalmente porque o estado é rota de tráfico para diferentes atividades ilícitas, como o comércio ilegal de órgãos, tráfico humano, de armas e o de drogas. Para ele, o parlamento assume papel decisivo quando estende sua atuação para as unidades de ensino.
“É na escola que está o público-alvo dos criminosos, que são os jovens, os adolescentes e as crianças. Isso se agrava com o uso das redes sociais para cooptar meninos e meninas para a exploração sexual, para a escravização de mão de obra, violando gravemente os Direitos Humanos. Hoje, temos à frente do programa da Assembleia Legislativa uma pessoa que é referência nacional de combate ao tráfico de pessoas, que é Socorro Santos. Com seus 30 anos de experiência, vem desempenhando um trabalho primordial com toda a sua equipe”, enalteceu Sampaio.
As facetas do crime, os relatos da comunidade escolar
O projeto “Educar é prevenir” funciona em parceria com a Secretaria de Estado da Educação e Desporto (Seed), que escolhe qual unidade de ensino vai receber as equipes e em qual data. Quando isso se confirma, o projeto passa uma semana na escola, sendo as atividades implementadas da seguinte forma:
● segunda-feira: é colocada a identidade visual do programa e do projeto, como banners informativos;
● terça-feira: ocorre a capacitação de toda a comunidade escolar, como gestores, professores, funcionários administrativos, de limpeza, porteiros, etc. O intuito é que todos passem pela formação e saibam identificar casos de abuso, exploração ou mesmo tráfico humano;
● quarta-feira: é feita a capacitação dos líderes de turmas;
● quinta-feira: os líderes compartilham com os outros alunos sobre o que aprenderam durante a formação com os servidores do projeto;
● sexta-feira: ocorre a grande palestra para toda a comunidade escolar, com participação de outros agentes que fazem parte da rede de enfrentamento.
É nesse contexto que surgem casos que são relatados aos servidores do projeto e aos órgãos parceiros, como a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o Conselho Tutelar e organizações do terceiro setor. De acordo com a diretora do Programa de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, Socorro Santos, há relatos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e tráficos de pessoas, com meninas sendo levadas para outras localidades para serem exploradas sexualmente.
“E não se trata apenas de alunos. Tivemos relatos de professoras e de pessoas que foram e não retornaram mais. Conseguimos intervir no caso de uma docente que ia para o Texas, nos Estados Unidos, para se casar e não podia levar nada. A partir de todas as informações que levamos para a escola, ela desistiu de viajar. Mas, infelizmente, tivemos outro caso de um rapaz que ficava na portaria de uma unidade de ensino e foi para a China. Ele era muito bonito e, por mais que a gente tenha falado, ele foi. Depois, voltamos na escola e fomos informados que nem a família teve mais notícias dele”, detalhou Socorro.
Além do abuso sexual, o projeto aborda as outras facetas do tráfico de pessoas, como a exploração de mão de obra. Dados do Ministério do Trabalho revelam que 37 pessoas foram resgatadas no ano passado em Roraima do trabalho análogo à escravidão, com Amajari, Rorainópolis e Boa Vista, tendo os maiores índices. Com relação ao trabalho infantojuvenil, 117 casos foram registrados no estado. Um dos exemplos de exploração infantil foi compartilhado por uma professora, em um relato pessoal, na capacitação do “Educar é Prevenir”.
“Quando começamos a falar sobre o trabalho escravo, suas causas e consequências para as crianças, ela se apresentou e contou que, aos 8 anos, foi levada para a casa de uma família para que pudesse estudar. E lá trabalhava o dia todo. Ela estudava, mas antes de ir para a escola tinha que deixar a casa arrumada, comida feita e, por isso, acordava às quatro da manhã. Depois que chegava da escola, ela tinha que fazer o jantar dessa família. Ela cresceu nesse ambiente e, quando estava no ensino médio, começou a trabalhar, mas não ficava com o salário, porque a dona da casa dizia que o dinheiro que ela recebia era para pagar água e luz”, complementou Socorro, ao acrescentar que, a partir do relato, explicaram como acolher uma vítima.
Assunto permanente
O tráfico de pessoas é considerado uma das violações mais graves dos Direitos Humanos. Por isso, em 2024, o Brasil endureceu a pena contra o crime, tornando-o hediondo, ou seja, não cabe fiança. Para ajudar a difundir informações sobre o tema, durante as palestras foram entregues cartilhas sobre a Lei nº 13.344/16, que trata do crime de tráfico de pessoas no país. O material já foi distribuído em quase 80 instituições, escolas e eventos, desde novembro de 2018.
Para o próximo ano, o Programa de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania discute, junto com a Secretaria de Educação, um planejamento estratégico para tornar o assunto permanente nas discussões pedagógicas e o projeto “Educar é Prevenir” chegar a mais unidades de ensino. O intuito é potencializar o acesso às informações, preparar a comunidade escolar e a sociedade de modo geral para o enfrentamento do tráfico de pessoas e os outros crimes relacionados a ele.
“O projeto é tão importante, que os servidores da Educação, responsáveis por nossa parceria, vão colocá-lo em uma revista que está sendo produzida. E os professores das escolas têm nos solicitado para que esse tema seja parte do conteúdo escolar. Estamos nessas tratativas com a secretaria para que seja prioridade no próximo ano, para que alcancemos por mês duas ou três escolas”, encerrou Socorro Santos.
Sobre o programa
O Programa de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania e promove e incentiva a participação da sociedade roraimense na defesa dos direitos humanos por meio do acolhimento e atendimento especializado, além do acompanhamento às pessoas que estão vivenciando opressão e violência em todos os níveis.
O trabalho também é realizado por meio de projetos e ações educativas, garantindo a integralidade das instituições que atuam na defesa dos direitos humanos, em todas as esferas como escolas, espaços públicos, privados e comunitários, nos quais deve haver o exercício da reflexão e do diálogo na luta contra a violência. A unidade faz parte da Superintendência de Programas Especiais.
As escolas que necessitam de atendimento especializado, podem procurar a sede do programa, localizada na Rua Coronel Pinto, nº 524, bairro Centro, em Boa Vista, pelo e-mail traficodepessoas.rr@gmail.com ou pelo telefone (95) 98402-1493.