A boca, os arcos dentários e a estrutura craniofacial podem ser decisivas em uma perícia criminal. Sendo assim, a análise odontológica pode ser um divisor de águas na elucidação de um caso. Em Roraima, os sete peritos odontolegistas que atuam no IML (Instituto de Medicina Legal) buscam na exploração dessas partes do corpo os detalhes científicos que faltam para a identificação de pessoas e obter, assim, um alto índice de resolução de casos, por meio do olhar atento e especializado da equipe.
Uma pesquisa publicada pela RBOL (Revista Brasileira de Odontologia Legal), mostrou que, entre 2014 e 2018, 95% dos corpos que chegaram ao IML de Roraima com a identidade desconhecida foram identificados pela odontologia legal. Com um histórico de bons resultados, o dia 4 de setembro, data em que se celebra o Dia do Perito Odontolegista, expõe a importância destes profissionais no âmbito forense, área que emprega os conhecimentos científicos e técnicas especiais para apurar crimes e outros assuntos legais.
Compondo o corpo de peritos do IML, Gilberto Paiva de Carvalho destacou que esses resultados estão aliados à forma como cada um trabalha seus sentimentos frente às emoções e aos sentimentos que surgem ao enfrentar casos complexos.
“A emoção é subjetiva. Algumas pessoas podem pensar que somos ‘frios’, mas colocamos nosso dever de alcançar a verdade e solucionar o caso à frente do emocional no momento do exame. E o resultado positivo em uma identificação pelos dentes determina uma certeza que é transmitida à família que está lá fora, apreensiva, e mesmo com um resultado indesejado, se permite iniciar a fase do luto”, avaliou.
Ele explicou que para que o processo de identificação aconteça, é preciso colaboração da família, que leva os documentos de interesse odontológico e fotografias da pessoa desaparecida, e uma das dificuldades do trabalho é que geralmente os profissionais não têm uma documentação produzida em vida por qualquer cirurgião-dentista.
“Com essa documentação nós aceleramos o processo de identificação, sendo ela primordial para o nosso trabalho. Mas caso não tenha, nós também solicitamos fotografias da pessoa”, afirmou Gilberto, que explicou ainda que a maior demanda atualmente é a realização de exames em pessoas vivas, solicitados pela autoridade policial ou judicial.
Diretora do IML explica que trabalho do perito ocorre no detalhe
Atuando há 19 anos no IML (Instituto de Medicina Legal) de Roraima, a perita odontolegista Marcela Campelo, que também é diretora do instituto, destacou o papel “crucial” na realização de corpos de delitos e, também, na identificação de cadáveres, pois o perito faz o trabalho de produção de provas destinadas à investigação e o inquérito policial.
“Isso é independentemente de idade e sexo da vítima. Nos casos de exames de mordeduras é importante analisar aspectos para estimar a espécie animal que causou tal lesão. Nesses casos é crucial estabelecer o diagnóstico diferencial se foi mordida humana, canina ou felina, por exemplo. Embora nem sempre seja possível estabelecer com precisão a autoria da mordida, o perito odontolegista estabelece o diagnóstico de mordedura humana, incluindo lesões desse tipo em crimes de violência sexual”, detalhou.
A perita destacou a importância de trabalhar em parceria com outras áreas forenses, como a de médicos legistas, peritos criminais, papiloscopistas, entre outros, e explicou que quando um perito de um instituto consulta um profissional de órgão coirmão que atua no mesmo caso, pode ter outra perspectiva sobre o mesmo corpo de delito que enriqueça a conclusão do laudo pericial.
Casos complexos e de alto impacto social marcaram peritos ao longo dos anos
Em suas reflexões a respeito da data, os peritos do IML de Roraima recordaram de casos considerados por eles como “marcantes”. Conforme a diretora Marcela Campelo, vários casos de repercussão local e nacional passaram pela eficiente atuação de peritos odontolegistas da Polícia Civil de Roraima, especialmente voltadas para casos de identificação humana.
“Tivemos a identificação de ossada de um menino de 7 anos que estava desaparecido, em 2004. Em 2012, fizemos a identificação de um piloto de avião que havia fugido e foi encontrado carbonizado em acidente aéreo”, recordou inicialmente.
Campelo recordou ainda do trabalho em casos como a chacina ocorrida na Pamc (Penitenciária Agrícola do Monte Cristo) em 2016, que vitimou 10 presos, além de uma chacina na região do Homoxi, na Terra Indígena Yanomami.
“Foram trabalhos que exigiram muito da nossa expertise como peritos e que tinha um viés social muito grande, pelos impactos destes casos”, afirmou.
Ainda em suas lembranças, a perita lembrou do trabalho de identificação realizado também na PAMC, em 2017, quando 33 detentos foram mortos no local.
“Com certeza, um trabalho que exigiu muito de todos nós devido a toda comoção social que passamos, aquela foi considerada 3ª maior chacina em presídios brasileiros de todos os tempos”, disse.
Tecnologia e mão de obra são fundamentais para melhorar o trabalho
Em todo o mundo, as tecnologias têm se tornado importantes aliadas em diversos aspectos, e não poderia ser diferente nas análises forenses realizadas pelos peritos odontolegistas.
Conforme a perita Marcela, o IML estadual trabalha atualmente com tecnologias computacionais em formato 2D, para análises de radiografias e outras imagens de interesse odontolegal. “Nós não temos prejuízos com os equipamentos que temos, as perícias ocorrem com alta precisão e resultados confiáveis”, frisou.
Contudo, ela destacou que já existem tecnologias que podem aprimorar ainda mais o trabalho.
“Certamente, quando houver investimentos para aprimorar e desenvolver os processos de trabalho do perito odontolegista, com novas tecnologias, a exemplo da realização de perícias 3D, haverá avanços não apenas para a perícia, mas para a sociedade e para a Justiça que demandam os serviços da Perícia em Odontologia Legal criminal”, ressaltou Campelo.
Conforme o perito Gilberto Carvalho, a busca por novas tecnologias ocorre em todo o país. Ele explicou que houve muitos avanços na área de perícia no Brasil desde o primeiro contato que teve com a especialidade, há mais de 20 anos.
“Mais centros de pesquisas estão em atividade, a tecnologia vem sendo utilizada e os colegas de todo o país apresentam novidades. Precisamos de equipamentos tecnológicos que permitam acelerar as respostas”, avaliou.
“A chamada aproximação facial forense, onde o crânio de uma pessoa é digitalizado e pelo computador recompomos a possível face de um desaparecido. O uso de scanner 3D que permitiria ter no computador os arcos dentários e assim o processo de comparação com o sorriso de uma pessoa desaparecida seria realizado de forma mais rápida, dentre outras tecnologias disponíveis”, disse.
A perita Marcela Campelo destacou a contribuição que a profissão tem para a sociedade, e como o trabalho se demonstra imprescindível para a sociedade que busca justiça no âmbito criminal.
“Os casos de identificação humana têm um apelo social e midiático mais acentuado, porém são muito mais frequentes os casos em que vítimas vivas sofreram lesões corporais. Em todos estes casos a atuação do perito odontolegista na perícia dão melhor satisfação na busca da justiça, quando envolvem questões próprias do conhecimento da ciência odontológica”, disse.
Jéssica Laurie