Coluna C & T: Processo de testes: operação – Daniel Nascimento-e-Silva

A ideia de testes é elemento obrigatório nas práticas científicas. Testamos arquiteturas teóricas com a mesma meticulosidade que testamos arquiteturas metodológicas. E não é só isso: testamos cada técnica, cada procedimento, cada instrumento utilizado. Na geração de tecnologias isso a preocupação não poderia ser diferente. Inúmeras razões justificam a prática dessa fundamental meticulosidade, especialmente naquelas tecnologias que lidam com a vida e com a integridade física dos seres humanos e animais. Mas testamos também para que os recursos (não apenas dinheiro) não sejam desperdiçados, principalmente os recursos de tempos. Porque tempo é vida. E vida é o único recurso que não conseguimos repor. E todos os tipos de razões que exigem as presenças dos testes estão assentadas em duas grandes razões, que são duas espécies de metarrazões interrelacionadas, e que já conhecidas: confiabilidade e validade. As tecnologias precisam ser confiáveis, precisamos confiar nelas, da mesma forma que elas precisam nos dar a garantia de que funcionam sempre da mesma forma. Uma balança deve efetivamente servir para medir a massa, o peso de corpos, ainda que possa vir a medir altura, gordura abdominal e outras coisas. É para garantir a confiabilidade e a validade da futura tecnologia que se procedem aos testes dos protótipos.

O processo de testes começa, naturalmente, com a escolha ou listagem de todos os focos de confiabilidade e validade. Essa listagem, apesar de ser focado na estrutura analítica da tecnologia (EAT), vai muito além dela. Seria mais válido afirmar que ela começa com a necessária garantia de que a tecnologia funciona. E isso é feito testando-se o funcionamento de cada um de seus componentes, para se certificar de que neles estão contidas todas as suas peças ou partes integrantes e que elas estão em pleno funcionamento e com o padrão mínimo de qualidade aceitável. O esquema lógico ficaria assim: teste de conformidade do funcionamento das peças, dos componentes e da tecnologia.

A segunda etapa dos testes abarca a adequação do funcionamento. Na primeira parte o que se busca é garantir que a tecnologia (e seus componentes e peças dos componentes) funciona. Nesta segunda, o foco é a validade. De forma analógica, na primeira parte o que se busca é saber se a balança funciona; nesta segunda, se ela mede a massa, o peso dos corpos. Noutras palavras, a segunda etapa é a garantia da validade, se a tecnologia é válida para fazer o que se propõe fazer.

A terceira etapa é a confiabilidade da tecnologia. Os testes de confiabilidade podem ser muitos variados e em quantidade mais ou menos maior. Há a confiabilidade do funcionamento das peças, por exemplo, tomada em termos de tempo de vida útil das peças, componentes e da própria tecnologia, grau de facilidade de manuseio técnico, usabilidade técnica, grau de exigência de conhecimento técnico para os reparos, tipos de defeitos e falhas mais comuns percebidas tecnicamente e como podem e devem ser corrigidas, dentre inúmeras outras. Esta é a parte técnica em si.

A quarta bateria de testes (que configura também a sugestão de quarta etapa) diz respeito ao desempenho em relação aos usuários ou clientes. Aqui é o que se pode chamar de testes efetivo de mercado, antes de se fazer as diversas modalidades de promoção (em marketing, promover é difundir, tornar conhecido). No teste de mercado são testados, dentre vários outros aspectos, o preço e benefícios em relação aos concorrentes, os canais de venda, distribuição e logística reversa, os serviços de pós-venda ou pós-aquisição, design, cores, tamanho etc.

A quinta bateria de testes envolve os aspectos econômico-financeiros. A finalidade desses testes é a obtenção da garantia de que vale a pena produzir a tecnologia e colocá-la à disposição dos usuários e clientes. Entram no rol os custos, despesas e gastos com a concepção, produção, manutenção, atualização, promoção, serviços pós-venda, administrativos, tributários, legais e muitos outros; por outro lado, devem ser levantadas todas as formas de receitas que a tecnologia possa gerar. De posse desses dois conjuntos de resultados de testes, é preciso que sejam calculados os tempos de payback, taxa interna de retorno, rentabilidade e lucratividade e projetados os resultados para pelo menos três anos após o tempo de payback. Geralmente é quando a tecnologia passa de estrela para vaca leiteira, no modelo BCG de avaliação econômico-financeira.

Uma sexta série de testes é focada nos aspectos legais. Aqui, especificamente, a análise deve se concentrar nos possíveis confrontos que a tecnologia pode ter com a lei. Esses confrontos vão desde a fase de concepção do protótipo, como é o caso de tecnologias educacionais que exigem experimentos com seres humanos, ainda na fase de produção de conhecimentos científicos, mas que prosseguem depois com os experimentos da tecnologia gerada no seu efetivo uso, para o qual ela foi desenhada. E não é apenas isso. É preciso desenhar todos os procedimentos e instrumentos legais para a sua transferência para os usuários e clientes ou até mesmo para exportação, o que implica no conhecimento dos sistemas legais dos países exportadores.

Testar protótipos vai muito além de simplesmente ver se um artefato funciona. Além de funcionar bem, precisa funcionar em segurança e sempre da mesma forma. Mas só isso não basta. É preciso que funcione de uma forma tal que, quando não funcionar, não seja difícil consertar. Mas também isso não é suficiente: é necessário que os usuários e clientes tomem a futura tecnologia como melhor ou igual às concorrentes. Mas isso também não garante o sucesso: é preciso que os custos de produção sejam compensados pelas receitas geradas, ou seja, não pode dar prejuízo. Mas tudo isso também fica completamente inútil, se a lei não permitir a sua existência e o seu funcionamento.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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