Nesta segunda-feira, 8, o Plenário Valério Caldas Magalhães da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) sediou uma audiência pública que discutiu e propôs alterações na Lei nº 8.742/1993, que trata do Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas) e da inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.
Promovida pelo Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COEDE-RR) e a Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE-RR), como parte da programação alusiva aos 23 anos de fundação da DPE, que neste ano tem como tema a garantia dos direitos da pessoa com deficiência, em parceria com ALE-RR e a Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes), a abertura da audiência contou com a participação do estudante Davi Lucas Evangelista, de 9 anos.
Diagnosticado com autismo, Davi emocionou a plateia com a interpretação, em libras, da música “Pintor do Mundo”, além de defender a extensão do BPC às mães que cuidam em horário integral dos filhos com deficiências.
Incompatibilidade entre benefícios
A Lei nº 8.742/1993, também conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), estabelece a proteção e a assistência social aos brasileiros em situação de vulnerabilidade. O BPC é um auxílio financeiro no valor de um salário mínimo concedido para idosos com mais de 65 anos ou pessoas com deficiência que pertençam a famílias com renda per capita familiar igual ou inferior a 1/4 do mínimo.
O auxílio-inclusão, regulamentado pela Lei nº 14.176/2021, é destinado a beneficiários ou ex-beneficiários do BPC que nos últimos cinco anos passaram a exercer atividade remunerada no mercado de trabalho formal de até dois salários.
Os dois benefícios foram apresentados pela chefe do setor de Relacionamento do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Pastora Maria Chaves Almeida, e a professora, advogada e conselheira membro do COEDE-RR Maria de Fátima Dantas.
De acordo com Almeida, Roraima possui aproximadamente oito mil pessoas com deficiências beneficiadas pelo BPC, o que representa mais de 1% da população do Estado. Juntas, elas injetaram, de janeiro de 2022 até abril de 2023, mais de R$ 87 milhões na economia. Já o auxílio-inclusão, tem 17 ativos desde outubro de 2021.
Com uma fala técnica voltada ao acesso do auxílio-inclusão, Almeida também alertou que a atualização dos dados do governo federal no Cadastro Único (CadÚnico) – ferramenta que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda no país – é condicionante para o recebimento dos benefícios sociais.
“A alimentação desse cadastro é competência dos municípios. Logo, se a família entra no Cras [Centro de Referência de Assistência Social] e no BPC para se cadastrar, e essa atualização cadastral não é feita a tempo, vai dar problema na hora da análise do sistema do INSS, o que gera uma fila pelo benefício”, frisou.
Já Dantas apresentou a perspectiva de quem enfrenta os gargalos da legislação na prática. Ativista, advogada e cadeirante, ela afirmou que o critério de renda de até 1/4 do salário-mínimo do BPC não se sustenta do ponto de vista da proteção social, além de ser incompatível com a aquisição do auxílio-inclusão.
“A pessoa, com a lei da inclusão, pode estar ganhando até dois mínimos, mas para receber o auxílio-inclusão ela precisa estar no BPC. Para isso, a renda per capita não pode passar de 1/4. Alguém me explica isso? A conta não bate.”
A advogada ainda questionou a ausência de direito à aposentadoria dos pais que cuidam dos beneficiários em tempo integral, bem como daqueles que têm laudo de deficiência permanente e continuam a fazer a revisão do benefício a cada dois anos.
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso da ALE-RR, deputada Angela Águida Portella (PP), participou do evento e destacou sua experiência pessoal com o neto autista, além dos projetos desenvolvidos pela comissão e o TEAMARR – programa especial da Assembleia Legislativa que atende crianças e adolescentes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
“São mais de dez anos que eu tenho uma luta com relação ao autismo. Foi só há quase dois anos que conseguimos criar o nosso centro de apoio ao autista e familiares, que é o TEAMARR. Ele é um tripé de ações: acolhimento, diagnóstico e a capacitação de familiares e cuidadores, bem como de pessoas que queiram conhecer melhor a questão do autismo”, explicou a deputada.
O defensor público-geral, Oleno Matos, aproveitou para cobrar orçamento para o COEDE, o envolvimento da sociedade nos conselhos e a apresentação de um anteprojeto que contemple mudanças na legislação.
“Quero propor, além da carta que vamos assinar no evento como sociedade civil, que a gente apresente aos deputados federais Zé Haroldo e Stélio Dener um projeto de lei que seja construído por todos nós. Desse debate de hoje, consigo pensar em seis, sete dispositivos que podem ser trabalhados relacionados aos BPC”, disse.
Representante do Parlamento federal na audiência, o deputado Stélio Dener, que é defensor público de carreira, esclareceu como funcionam as frentes parlamentares que tratam dos direitos das pessoas com deficiência. Já o deputado Zé Haroldo Cathedral, primeiro-vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Câmara, se comprometeu a levar adiante o projeto de lei sugerido por Matos.
“Estou à disposição para mudarmos a Lei 8.742. Quero receber de vocês esse anteprojeto de lei pronto para poder protocolar e lutar por ele. Tenho certeza de que conseguiremos, se nós unirmos força, falarmos com o presidente [da Câmara] Arthur Lira, entrarmos com um requerimento de urgência… O trâmite normal é primeiro passar pelas comissões, mas existe um rito diferenciado para projetos cujo interesse nacional é muito grande, e eu acredito que esse é o caso”, assegurou Cathedral.
Presidente do COEDE, Cleomar Melo lembrou que o desenvolvimento e fortalecimento de políticas públicas para as pessoas com deficiência é uma luta compartilhada por todos os grupos minoritários.
“É importante dizer que as políticas para as pessoas com deficiência perpassam todas as políticas para as crianças, idosos, adolescentes, negros, LGBTQUIA+, pois devemos ter um olhar para todos”, argumentou.
Além dos discursos de autoridades, a fala foi franqueada à plateia que dividiu casos específicos sobre cessação dos auxílios, dúvidas sobre pensão, mais de um benefício por família, gastos versus renda, entre outros assuntos.
Cartão de Recomendações
Rhadachy dos Santos Wakiyama, de 26 anos, o primeiro autista formado no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Roraima (UFRR), encerrou o evento com a leitura de uma Carta de Recomendações sugerindo alterações na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), em três pontos:
a) que o valor da renda familiar para o direito ao benefício seja de um salário mínimo (per capita);
b) que o beneficiário do BPC/Loas, que teve o benefício suspenso por inserção no mercado de trabalho, tenha o benefício estabelecido automaticamente após perda de emprego ou a cessação do seguro-desemprego;
c) que o benefício seja concedido às pessoas que necessitam, independentemente do número de pessoas necessitadas que moram sob o mesmo teto.
A audiência foi transmitida ao vivo pela TV Assembleia (canal 57.3), Rádio Assembleia (98.3) FM e redes sociais do Poder Legislativo (@assembleiarr), e contou com intérpretes de libras, audiodescritores e a participação de representantes de órgãos públicos, associações e ativistas dos direitos da pessoa com deficiência.
TEAMARR
O Centro de Apoio à Família (TEAMARR) atende crianças e adolescentes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Também realiza encaminhamentos e capacitação para familiares e profissionais de saúde. A unidade faz parte do programa de Atendimento Comunitário, criado após aprovação da Resolução Legislativa nº 022/2021 da ALE-RR. Mais informações pelo telefone (95) 99129-7119.
Suellen Gurgel