Coluna C & T: Processo de ajustes – Daniel Nascimento-e-Silva

Os cientistas são seres incansáveis em busca do conhecimento o mais preciso e exato possível. Quando se propõem ir além da produção do conhecimento e adentram as veredas da produção tecnológica, esse intento também passa a fazer parte de suas preocupações e atitudes. Eles sabem que os protótipos são desafios de precisão entre aquilo que suas descobertas apontam e a aplicação dessas mesmas descobertas para a solução de determinado problema ou suprimento de alguma necessidade. Acontece que aquilo as fotografias mostram, que é o que todo conhecimento científico representa, não verdadeiros desafios para serem reproduzidas. Tome-se o caso de um modelo matemático para a previsão de volume de vendas de uma organização. O modelo está ali, com as variáveis dependentes, independentes, moderadoras e interferentes e toda sorte de variáveis dummy. Está claro, para quem sabe ler modelos matemáticos, o que se deve fazer. Mas tente fazer! O problema não é, portanto, a geração do conhecimento. O desafio é aplicá-lo com a exatidão contida e exigida no modelo. É nesse contexto que se deve buscar compreender os testes e retestes, ajustes e reajustes de protótipos.

A primeira tentativa de equivalência entre o que diz o conhecimento e o que faz a futura tecnologia é a primeira versão do protótipo. Que fique bem claro aqui que ninguém faz essa primeira versão para ser reprovada em todos os testes a que for submetida. Pode acontecer, contudo, que os cientistas estejam interessados, primeiro, em acertar o funcionamento de uma parte do protótipo e não no todo. Então eles se esforçam para fazer o protótipo perfeito, no sentido de que ele seja aprovado em todos os testes de primeira. O mesmo esforço vale para aquelas tecnologias que criamos e que são submetidas aos testes necessários, ou seja, queremos que elas sejam aprovadas de primeiro. Mas quando isso acontece? Quase nunca. Esse nunca envolve inclusive tecnologias menos complexas, como o simples fato de ajustar algum objeto ao que restou do braço amputado de alguém para que, com o uso desse objeto, possa acionar alguns dispositivos em um celular, por exemplo. Quase sempre é necessário algum ajuste, com maior ou menor precisão.

Os ajustes são justamente essas buscas de adequação entre aquilo que foi planejado ou previsto nas descobertas científicas e a diferença que houve em relação àquilo que efetivamente a tecnologia demonstrou. Os ajustes, então, se concentram sobre os parâmetros, que não estão em conformidade com o que é desejado. Eles envolvem tanto a garantia da validade quanto da fidedignidade. Ajusta-se a validade, portanto, quando se faz com que o protótipo faça aquilo para o qual ele foi projetado. Se sua finalidade é melhorar o aprendizado de matemática de alunos com dificuldades visuais, esse será o intuito dos ajustes; se for a de acelerar a germinação de determinadas variedades de prantas, essa será o foco dos ajustes. Ajusta-se a fidedignidade fazendo com que as peças, componentes e o próprio protótipo funcionem sempre da mesma forma, entendendo-se essa mesma forma como um comportamento que não ultrapasse os limites inferiores e superiores predeterminados, o que significa tentar o máximo possível alcançar o centro da meta. Outro foco de ajustes são as falhas e imprecisões das peças e componentes, quando há a substituição de uma matéria-prima por outra ou quando há rebarbas, por exemplo, que machuquem os operadores.

Certa vez um grupo de pesquisadores estava interessado em encontrar uma forma fazer determinados profissionais de produção ficarem atentos a detalhes dos produtos que produziam. Para isso, desenvolveram um jogo de tabuleiro, cujo desafio era fazer com que os jogadores treinassem sua acuidade visual para perceber pequenos detalhes no menor espaço de tempo possível. Fizeram o primeiro protótipo e os resultados não foram alcançados. Aliás, piorou a percepção que os profissionais tinham. Resolveram, então, refazer as peças e dois dos componentes. Esses ajustes fizeram com que os profissionais melhorassem a acuidade, mas essa melhora se fez bastante diferente e de forma imprevisível. Novos ajustes foram feitos, como a mudança de tamanho das peças, alteração na gradação das cores e até no peso dos componentes. A melhoria ia aumentando à medida em que as cores, por exemplo, tinham suas gradações ajustadas, assim como os outros parâmetros. Depois de certo tempo, o protótipo foi considerado aprovado nos testes a que foi submetido e considerado um produto acabado.

Esse exemplo mostra o quão importante é o domínio sobre os diversos aspectos essenciais a serem aferidos e auferidos. A precisão acerca do que a tecnologia precisa gerar como benefícios é essencial justamente aqui, na etapa de ajustes, porque são esses benefícios os alvos das aferições, de maneira que se tenham dados consistentes acerca do comportamento da futura tecnologia. É esse comportamento, inclusive, que precisará ser monitorado nos serviços de pós-venda ou pós-entrega aos usuários, cuja desconformidade dará início aos serviços de assistência técnica, por exemplo. Isso quer dizer que toda tecnologia tem uma utilidade que se manifesta a partir de um ou mais benefícios que serão garantidos e entregues aos demandantes.

O processo de ajustes aos protótipos consiste, portanto, em a) análise dos resultados dos testes, para que sejam b) identificadas as causas das reprovações, c) testadas alternativas de eliminação dessas causas e d) submissão de novos testes. Esse procedimento será retomado todas as vezes em que o protótipo for considerado reprovado em algum teste. Só poderá ser considerado produto acabado quando não restarem ajustes a serem feitos justamente porque o protótipo está em conformidade com aquilo que dele é esperado.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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