Coluna C & T: Redação dos parágrafos – Daniel Nascimento-e-Silva

Logo que comecei minha longa trajetória de aprendizado de investigações e redações científicas, que é algo que ainda não terminou, fiquei extremamente renitente em abandonar o que eu tinha decorado nas minhas experiências anteriores e abraçar o jeito esquisito (e simples) que estavam me propondo. A esquisitice começava com o fato de se redigir primeiro as descobertas e depois o método, mas quando atacou o célebre esquema ensinado no ensino médio, fiquei completamente alucinado. Daí o meu mentor, ao mesmo tempo austero e amoroso, tocou no meu ombro e disse: “— Esqueça tudo o que você sabe sobre redação. Nós escrevemos de forma diferente. Uma coisa são os romances e as poesias, outra coisa é a ciência.” Isso foi o suficiente. Resolvi deletar o que eu supunha saber. Se eu queria ser um cientista, tinha que aprender as práticas dos cientistas, ferissem elas ou não o que os professores de redação ensinavam. E é uma espécie de síntese o que eu vou mostrar aqui para que se compreenda o porquê de os cientistas não precisarem de inspiração para escrever qualquer coisa sobre seus estudos e investigações. O segredo está na construção dos parágrafos, que é o mesmo esquema lógico da redação global.

Todo texto, todo parágrafo e toda oração é, nada mais, nada menos, que uma equação matemática. Por exemplo, a equação do ensaio teórico empírico é f(TE) = i + rl + m + rd + c + r, em que f(TE) é a redação, i é a introdução, rl é a revisão da literatura, m é a metodologia, rd é a seção de resultados e discussão, c é a conclusão e r é a parte das referências. De forma similar, cada parte da equação global é uma equação menor, de maneira que se pode escrever, por exemplo, a função introdução como f(iTE) = ct + sp + o, em que f(iTE) é a introdução, ct é o contexto teórico, sp é a situação problemática e o é o objetivo do estudo. O interessante disso tudo é que os esquemas lógicos mais complexos dos cálculos também se aplicam à estrutura matemática das redações, como integração e derivação. Mas isso é assunto para outras publicações.

Todo parágrafo de redações científicos se enquadram em duas equações possíveis, que configuram estruturalmente os dois menores parágrafos possíveis. A primeira é do tipo f(p) = A + 2E, em que f(p) é o parágrafo, A é a afirmativa e 2E são as duas explicações mínimas obrigatórias. Essa estrutura diz simplesmente que o parágrafo deve começar com uma afirmativa, seguida de duas explicações. Vejamos um exemplo insólito. “Joãozinho passou vergonha durante a festinha da escola. Ele sabia que todos ansiavam pela sua vestimenta, dada sua elevada criatividade e bom gosto. Contudo, o garoto teve a infelicidade de tropeçar em um fio elétrico exposto logo na entrada da passarela e cair justamente em um balde de tinta que algum operário inadvertidamente deixou por ali.” Note que cada ponto (.) assinala um período. E cada período demarca a extensão das variáveis componentes da equação do parágrafo. Para ampliar o parágrafo, basta que se aumente a quantidade de explicações, que é o mesmo que aumentar a quantidade de períodos. Uma estratégia muito utilizada é também acrescentar exemplos, como mostraremos a seguir.

A segunda equação estrutural de parágrafos praticados em redações científicas é do tipo f(p) = A + E + Ex. Neste caso, f(p) é o parágrafo, A continua sendo a obrigatoriedade do parágrafo começar com uma afirmativa, E é a explicação que todo parágrafo tem que ter e Ex é um exemplo que essa estrutura prevê. Geralmente utilizamos essa estrutura quando não temos outra explicação complementar que permita a compreensão da nossa afirmativa. É uma prática muito comum, que faz jus à recomendação de que “quando não se consegue explicar, é hora de dar um exemplo”. Vejamos um exemplo: “Joãozinho sempre surpreendia seus amigos e colegas de aula durante as suas apresentações. O garoto tinha tanta criatividade e capacidade de inovar que o que ele fazia parecia inacreditável. Quando era para cantar, transformava-se em um verdadeiro Plácido Domingos; se o desafio era dançar, parece que o garoto incorporava Fred Astaire; e até para jogar futebol, passava a impressão de que era Neymar ou Messi que estava jogando.” Quanto mais exemplos forem acrescentados, maior será a clareza do texto e o entendimento da afirmativa.

O tamanho que essa estrutura geralmente ocupa nas redações científicas começa, em média, com oito linhas. O motivo é que uma afirmativa completa estruturalmente e com clareza toma em média duas linhas. As explicações, também em média, são passíveis de construídas com três linhas, o que exige extrema habilidade redacional. Contudo, o tamanho médio dos parágrafos redigidos por cientistas de primeira grandeza varia de 15 a 20 linhas! É isso mesmo. Basta olhar os artigos científicos e ensaios teóricos publicados em revistas de alto impacto, como aquelas classificadas com Q1 na Scopus.

O conhecimento das estruturas dos parágrafos das redações científicas permite que se note que quem desconhece esse mundo maravilhoso das publicações científicas redige em desconformidade com essa realidade. É muito comum, por exemplo, encontrarem-se, em um único texto, dezenas de parágrafos apenas com um período ou dois. Há até parágrafos com duas linhas em um único período! Os cientistas costumam apelidar esse tipo de texto de jornalístico popular, porque é assim que quase todos os jornalistas que escreve para o povão constrói seus textos. É como se as ideias fossem jogadas no espaço, sem qualquer preocupação com o seu entendimento efetivo. Na verdade, essa é a prática da literatura tradicional, que exige que o leitor complete o texto e lhe dê sentido. Ali, isso é lindo, como é o caso da possibilidade de Bentinho ter ou não traído Capitu. Na ciência, isso é um crime.

Afirmar e explicar duas vezes a afirmativa ou afirmar, explicar e exemplificar são as duas estruturas básicas da redação dos parágrafos de textos científicos. A finalidade é sempre a de evitar ao máximo possível a ambiguidade, de maneira que o leitor tenha o entendimento o mais próximo possível daquilo que se quer comunicar. Se fosse possível, o ideal seria escrever em linguagem matemática ou lógica. Os cientistas inventaram esses esquemas lógico-matemáticos aqui apresentados justamente para aproximarem seus textos desse ideal.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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