Coluna C & T: Regras de estilo – Daniel Nascimento-e-Silva

A redação das respostas às perguntas de pesquisa e hipóteses formuladas exige um estilo de redação bastante diferente do que se é costumeiramente ensinado a fazer. E esse costume envolve, também, as práticas recomendadas nos muitos programas de mestrado e doutorado cujos membros docentes não estejam em sintonia com o estado da arte da publicação científica e tecnológica. Vale dizer, contudo, que apesar de a ciência exigir um estilo próprio, seu rigor não é capaz de levar ao surgimento de vários estilos secundários, todos derivados da matriz original. Isso implica no reconhecimento de diversos subestilos em conformidade com o grande estilo redacional científico. É algo mais ou menos parecido com o que acontece com a literatura não científica, em que se tem romance, conto, crônica e poesia e seus diferentes subestilos. Na poesia, por exemplo, há os sonetos, os dísticos, haicai, dentre inúmeros outros. Uma variedade menor de estilos pode ser percebida na área científica, mas ainda sem uma classificação que permita a nominação delimitadora precisa. No entanto, em todas elas algumas regras de estilo precisam ser obedecidas. As mais salientes, que distinguem a ciência de outras produções textuais, serão aqui explicadas.

Talvez a primeira grande regra seja não fazer afirmativa sem explicação. Fazer ciência é dizer e explicar. Se possível, também exemplificar. Uma afirmativa pode ser feita em uma ou mais orações, como em “A maior parte das evidências encontradas faz parte da dimensão analítica Delta, que é a responsável por manter o caráter motivacional do aprendiz, como presente nos estudos de Autor A (ano), Autor B (ano), Autor C (ano) e Autor D (ano)”. Na prática, essa afirmativa exigiria pelo menos mais duas explicações ou uma explicação e um exemplo, para que possa ser compreendida adequadamente. O estilo literário se completa através da estratégia escolhida pelo autor, que poderia se concentra no “caráter motivacional” ou nas descobertas dos autores citados ou em ambas. Note que isso naturalmente levaria à regra de que um parágrafo não pode ter menos do que seis ou oito linhas.

A ambiguidade é responsável por outra regra. O desafio de todo subestilo redacional científico é escrever de uma forma tal que um único entendimento seja garantido. É exatamente o oposto do pretendido pelas redações não científicas, em que a ambiguidade é tão importante que até hoje não se sabe se Capitu traiu ou não Bentinho, no romance de Machado de Assis. Na literatura não científica, tudo é feito para que o leitor complete o sentido do que é escrito. Na literatura científica isso é um crime grave. Isso explica, mais ou vez, a necessidade da regra afirma-explica ou da recomendação de afirmar-explicar, exemplificar.

Uma terceira regra é relativa à posposição. Essa prática de inverter as coisas faz parte da nossa mentalidade brasileira. É por isso que é muito comum se dizer que “Foi descoberto por pesquisadores brasileiros uma grande cabeça de elefante de ouro nas margens do rio Surubiú, em Alenquer, no estado do Pará”. A voz passiva se tornou um vício devido ao seu uso exagerado nas reportagens de televisão. As regras de estilo da ciência exige que se escreva “Pesquisadores brasileiros descobriram uma cabeça de elefante, em ouro, de 150 centímetros de diâmetro”. De forma semelhante, em lugar de se escrever “De acordo com os resultados do censo do IBGE do ano de 2022, as mulheres amazonenses estão entre as mais belas do planeta”, a ciência exige que se redija assim: “As mulheres amazonenses são uma das mais belas do planeta (IBGE, 2022”.

Outra regra não aceita pela redação científica de ponta, hoje, é a voz passiva. Isso parece estranho, porque também faz parte da mentalidade brasileira afirmações dos tipos “O bolo foi feito por nós” e “Os dados foram coletados pelos pesquisadores”. A ciência usa sempre o discurso direto. Por essa razão essas afirmativa precisam ser modificadas para “Nós fizemos o bolo” e “Os pesquisadores coletaram os dados”. O interessante é que essa regra tem sido costumeiramente transgredida nos últimos anos devido ao número crescente de produção científica de outros países cuja mentalidade tem dificuldade de assimilar a anglo-saxônica, de onde as repreensões ao uso da voz passiva na ciência é originária.

Outra regra muito policiada é a de que afirmativas ousadas exigem evidências empíricas ousadas. Se digo que “pau é pedra” e essa for uma assertiva relativamente consensual na comunidade científica, basta apresentar alguns estudos que confirmem essa declaração ou dados empíricos neste sentido. Por outro lado, se essa for uma constatação que transgride determinado consenso ou for algo inusitado naquela comunidade, é necessário que se apresente uma série de diferentes evidências empíricas neste sentido oposto, além de todas as poucas pesquisas publicadas mostrando resultado que a referende. São evidências empíricas as requisitadas em sua maioria porque a “transgressão” é muito forte. Gráficos, tabelas, equações e figuras representam as evidências empíricas, enquanto as citações representam as evidências da literatura. Quanto menos houver sustentação literária, maior a necessidade de se avolumar as apresentações de evidências empíricas.

A regra anterior explica a última regra que queremos expor: não desmoralizar os estudos dos outros. Tem sido muito comum em textos brasileiros que se aproveite qualquer oportunidade para tentar denegrir uma determinada forma de pensar (por isso esses textos não são científicos), exercendo o que muita gente chama de pensamento crítico. A ciência é sempre um caminho para a frente. E por isso não perde tempo com essas coisas. Ela sempre se aproveita da “parte aproveitável” dos estudos para construir um todo respeitável, válido. A ciência trata com os fatos e fenômenos da realidade, e não com o que ciclano disse ou não disse. Os autores não têm importância para a ciência. O valioso está nas descobertas que eles fazem.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

 

Veja também

Topo