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Aspectos regulatórios raramente são considerados nos debates sobre fomento aos setores da bioeconomia, apesar do seu papel fundamental na transição para uma economia de baixo carbono de verdade. No caso da piscicultura amazônica, por exemplo, ajustar a legislação seria o primeiro passo para destravar e alavancar o potencial do setor, como mostra o estudo As águas turvas no marco legal da piscicultura amazônica. O estudo, que acaba de ser lançado pelo Instituto Escolhas, analisa como a legislação influencia o desenvolvimento da piscicultura em cada um dos nove estados da Amazônia Legal.
O foco recai em dois processos fundamentais para a regularização dos empreendimentos: o licenciamento ambiental e a obtenção da outorga de direito de uso dos recursos hídricos. Uma vez regularizados, os piscicultores podem acessar políticas públicas, como o crédito rural, pleitear desconto na fatura de energia elétrica e abrir oportunidades de comercialização em mercados institucionais. Para os pequenos, entretanto, essas etapas básicas configuram-se como grandes desafios, como pontua o estudo do Escolhas.
O problema é que são eles, os pequenos, a imensa maioria: o mapeamento geoespacial inédito desenvolvido pela pesquisa identificou 61.334 iniciativas em viveiros escavados e em viveiros de barragem, sendo 95,8% de pequeno porte (até 5 hectares de lâmina-d’água), 4% de médio porte (de 5 a 50 hectares de lâmina-d’água) e apenas 0,2% de grande porte (mais de 50 hectares de lâmina-d’água).
“Nenhum setor produtivo cresce sem a devida atenção e o devido apoio da gestão pública. Por isso, sem o investimento do governo federal e dos governos estaduais, os pequenos piscicultores da Amazônia Legal seguirão fazendo o possível, sem possibilidade de alcançar todo o seu potencial”, alerta Rafael Giovanelli, gerente de pesquisa do Escolhas. Dados do estudo Solução debaixo d’água: o potencial esquecido da piscicultura amazônica, lançado pelo Escolhas em 2024, revelaram que, se nenhuma atividade for tomada pela gestão pública para estimular a piscicultura amazônica imediatamente, o crescimento do setor não vai ultrapassar a marca de 4,6% até 2034.
De acordo com a pesquisa lançada hoje, os estados da Amazônia Legal enfrentam uma variedade de gargalos que precisam ser destravados para viabilizar o desenvolvimento e a expansão da piscicultura. Um exemplo é a situação do Amapá, que não tem procedimentos de licenciamento ambiental simplificado para pequenos empreendimentos. Já no estado do Pará, o marco regulatório é recente, mas a simplificação dos processos de licenciamento ambiental e de obtenção da outorga de direito de uso dos recursos hídricos, em especial para iniciativas de pequeno porte, ainda estão em processo de operacionalização pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado.
Entre as recomendações do estudo estão a atualização imediata dos instrumentos jurídicos defasados, principalmente em nível estadual, e a simplificação dos processos de licenciamento ambiental – que devem prever licença única, ser on-line e seguirem um procedimento autodeclaratório, com validade entre quatro e cinco anos – acompanhada da intensificação das ações de fiscalização com uso do georreferenciamento. O estudo também recomenda a implementação de forças-tarefas para orientar pessoal e individualmente os pequenos piscicultores sobre os processos on-line e autodeclaratórios de licenciamento ambiental, nos estados onde tais processos já são previstos em lei.
Segundo Giovanelli, ajustar a legislação e estimular a regularização dos pequenos produtores são ações necessárias e urgentes para que o cultivo de peixes nativos na Amazônia possa ganhar tração e ocupar mais espaço no competitivo mercado nacional, dominado pela exótica tilápia.
O fortalecimento dessa cadeia produtiva passa, ainda, pela oferta de capacitação técnica e pela disseminação de pacotes técnicos de produção (alevinos, ração, manejo do ciclo de vida). Mas nada disso terá efeito duradouro se a região não contar com instrumentos jurídicos adequados e atualizados. “É preciso resolver os impasses legislativos que atravancam essa cadeia importante da bioeconomia brasileira, que traz uma oportunidade de desenvolvimento socioeconômico com baixo impacto ambiental”, pondera Giovanelli.
Acesse aqui a íntegra do estudo.